Conflitos entre Sócios: Dissolução Parcial da Sociedade Limitada
O que é e como funciona a dissolução parcial em sociedades limitadas
1. Introdução:
As sociedades empresárias são constituídas com o objetivo de reunir esforços, recursos e competências para a consecução de um fim econômico comum. No entanto, nem sempre a convivência societária se desenvolve de forma harmônica. Divergências de interesses, incompatibilidades pessoais e quebras de confiança podem tornar insustentável a permanência de um ou mais sócios no quadro social.
Nesse contexto, a legislação societária brasileira disciplina a figura da dissolução parcial da sociedade limitada, mecanismo jurídico que visa preservar a continuidade da empresa por meio da retirada do sócio cuja permanência se tornou inviável, sem a necessidade de extinção da sociedade como um todo.
2. Estrutura da Sociedade Limitada:
A sociedade limitada, disciplinada pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil, caracteriza-se pela responsabilidade dos sócios limitada ao valor de suas quotas e pela prevalência da vontade majoritária, salvo disposição contratual em contrário.
Trata-se de um tipo societário que oferece flexibilidade organizacional, permitindo ajustes internos conforme as necessidades do negócio e as particularidades da relação entre os sócios. Contudo, sua estrutura marcada pela confiança pessoal — especialmente em sociedades de menor porte — torna a convivência entre os sócios altamente sensível a conflitos.
3. Causas de Dissolução Parcial:
A dissolução parcial da sociedade limitada pode decorrer de:
- Morte de sócio: salvo disposição contratual de continuidade com os herdeiros ou entre os sócios sobreviventes;
- Retirada voluntária: nos contratos por prazo indeterminado ou, nos contratos por prazo determinado, em hipóteses previstas em lei ou no contrato;
- Exclusão de sócio: nos casos de falta grave no cumprimento das obrigações sociais;
- Resolução em razão da quebra da affectio societatis: quando a convivência societária se torna insustentável, ainda que sem culpa atribuída.
- A dissolução parcial busca a preservação da atividade empresarial e a proteção dos interesses dos sócios remanescentes, promovendo a recomposição do quadro social sem a extinção da sociedade.
4. Fundamento Legal da Dissolução Parcial:
Os artigos 1.028 e 1.029 do Código Civil, combinados com os artigos 599 a 609 do Código de Processo Civil, regulam a dissolução parcial da sociedade.
A legislação estabelece que, em caso de retirada, morte ou exclusão de sócio, poderá haver dissolução parcial com apuração de haveres, sem necessidade de liquidação integral da sociedade — salvo se ela não puder subsistir com os sócios remanescentes.
Dessa forma, a dissolução parcial é medida excepcional que busca equilibrar a continuidade da empresa com a proteção dos direitos do sócio retirante.
5. Procedimentos para a Dissolução Parcial:
A dissolução parcial pode ocorrer:
- Extrajudicialmente: por meio de acordo entre as partes, com alteração do contrato social para refletir a saída do sócio;
- Judicialmente: quando não houver consenso sobre a retirada, exclusão ou apuração de haveres, sendo necessária a intervenção do Judiciário.
A petição inicial deve demonstrar:
- A existência da sociedade;
- A condição de sócio do autor (ou direito à sucessão);
- O fato que justifica a dissolução parcial (morte, retirada ou exclusão).
O pedido pode incluir a apuração e pagamento dos haveres, com base no patrimônio líquido da sociedade na data da resolução da sociedade em relação ao sócio.
6. Exclusão de Sócio: Justa Causa e Procedimento:
A exclusão de sócio por justa causa é cabível nas hipóteses em que o sócio:
- Comete falta grave no cumprimento de suas obrigações sociais;
- Pratica atos de inegável gravidade que tornem impossível a manutenção da sociedade com sua presença.
A exclusão pode ocorrer:
- Por deliberação da maioria absoluta dos sócios, excluído o voto do sócio a ser excluído, se houver previsão expressa no contrato social e mediante reunião convocada especificamente para esse fim;
- Judicialmente, na ausência de previsão contratual para exclusão extrajudicial.
Em qualquer caso, deve ser assegurado ao sócio o direito ao contraditório e à ampla defesa, inclusive com a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos.
7. Apuração de Haveres:
A apuração de haveres corresponde à avaliação dos direitos econômicos do sócio retirante sobre o patrimônio da sociedade.
Aspectos relevantes incluem:
- Data-base: normalmente a data da retirada, falecimento ou deliberação de exclusão do sócio;
- Critério de avaliação: na ausência de cláusula contratual em contrário, aplica-se o valor patrimonial líquido, com base em balanço especial;
- Métodos complementares: dependendo da complexidade da sociedade, podem ser utilizados critérios como fluxo de caixa descontado ou avaliação econômica, desde que tecnicamente justificados.
- O pagamento deve observar o prazo e forma contratualmente previstos ou, na omissão, conforme fixado judicialmente. Havendo dificuldades financeiras, admite-se o parcelamento, com incidência de correção monetária e juros legais.
8. Reflexos da Dissolução Parcial na Sociedade:
A retirada de um sócio pode implicar:
- Redução proporcional do capital social, salvo se os sócios remanescentes optarem pela integralização da parte correspondente;
- Alteração do contrato social, refletindo a nova composição societária;
- Responsabilidade do sócio retirante pelas obrigações anteriores à sua saída, subsistindo pelo prazo de dois anos, de forma subsidiária, nos termos do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil.
- A continuidade da sociedade dependerá da viabilidade econômica do negócio e da harmonia entre os sócios remanescentes, podendo demandar ajustes no objeto social ou na estrutura de governança.
9. Conclusão
A dissolução parcial da sociedade limitada é um instrumento jurídico essencial para a preservação da empresa diante de conflitos societários irreconciliáveis.
Ao permitir a retirada, exclusão ou sucessão de sócio sem implicar a extinção da sociedade, o ordenamento jurídico assegura a continuidade da atividade empresarial, a preservação da função social da empresa e a livre iniciativa.
A adequada condução do procedimento, com respeito aos direitos dos sócios e observância das disposições legais e contratuais, é fundamental para garantir a segurança jurídica, proteger o patrimônio da sociedade e manter a harmonia na gestão.